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sábado, 10 de setembro de 2011

O Culto de Nossa Senhora de Nazareth no Remanescente de Quilombo do Timbó no Agreste de Pernambuco

                                   Bandeira de Nossa Senhora, atingida por rojão em fevereiro de 2001          

 A dinâmica histórica e cultural das comunidades afro-descendentes necessita de ações investigativas que propiciem registrar oficialmente todo um patrimônio tangível e intangível, que passam despercebidos das gestões e ainda não incluídos nas ações de políticas afirmativas. A diversidade cultural é característica fundamental dos afro-descendentes no estado de Pernambuco particularmente na Região do agreste meridional onde os referenciais culturais remontam as várias etnias que aqui chegaram principalmente os Bantus que foram maioria até meados do século XIX, nesta região que tem um processo de ocupação dos mais antigos de Pernambuco desde o século XVII.    
                 O culto de Nossa Senhora de Nazareth como a Mãe libertadora está intrinsecamente ligado à construção histórica deste remanescente de Quilombo, pertencente ao distrito de Iratama, distante 32 km de Garanhuns, provavelmente organizado por Negros fugidos e forros que resistem há pelos menos 200 anos e que acreditam terem conseguido a liberdade por graça de Nossa senhora.
A região onde se encontra a comunidade do Timbó começou a ser povoada a partir da segunda metade do século XVII, quando o capitão Antônio Vieira de Melo Filho do concessionário de uma sesmaria doada em 1671 a seu pai, ganhou alguns sítios de cultura e criação de gado. O mais antigo registro encontrado do termo Timbó, na região de Garanhuns, vem de 1705 como sendo um dos mocambos destruídos pelas tropas de Domingos Jorge Velho, cujo comando era do Cabo Luiz Mendes da Silva, tendo assentado um arraial no sítio Paulista, hoje subúrbio de Garanhuns. (Cavalcanti,1997).
Timbó é um vocábulo tupi que significa cipó venenoso, que após ser macerado o seu sumo era jogado no rio, atordoando os peixes, facilitando assim a pesca, esta forma de pescar é bastante difundida entre os indígenas do norte e nordeste do Brasil. (Galvão, 1927)
 Os moradores mais antigos acreditam que o povoamento começou com a chegada de um escravo fugido chamado Roque,  “Aos poucos, outros negros forros foram chegando ao local, e a forma de proteção “legal” foi estabelecer que as terras do Timbó fossem de propriedade de Nossa Senhora de Nazareth, já que a Igreja foi erguida provavelmente com a chegada dos primeiros negros como resultados de pagamento de promessa “(Dona Benzinha, antiga moradora do Quilombo).
                  No livro da ata aberto em 28 de novembro de 1965(Praxedes, 1965) e assinado pelo Sr Praxedes consta: “Respeitando a tradição dos fundadores e doadores do patrimônio de N. S. de Nazareth nas pessoas dos antigos = Simião Correia dos Santos Reis, José Vitorino de Anchieta, João Sabino da Luz Formosa, seus descendentes, prestando a homenagem, eterna na Veneração de nossa padroeira com fundação da Associação dos dirigentes do patrimônio de N. S. de Nazareth que culminará a estas Venerações da padroeira” (Praxedes, 1965).
                  Segundo informações do Sr.José Praxedes em entrevista ao jornal “O Monitor” de Garanhuns em 21 de agosto de 1982 “no Timbó chegaram tropas portuguesas em intensivas perseguições aos negros rebelados”. Um outro registro oral chama-nos a atenção, forte referência sobre a Guerra do Paraguai (Praxedes, 1986), onde muitos negros foram “preados” à frente de batalha com a promessa de terras e ou alforria.
                 Os negros do timbó vivem, hoje, numa área de aproximadamente seis hectares, mas, segundo eles, já viveram numa área de mais de 200 (duzentos). A demarcação das terras era feita cavando-se um valado, que é uma elevação de terra que limita e contorna propriedades: “faziam uma valeta bem grande, cabia até um boi dentro”. (D. Bezinha).
O principal imóvel da comunidade é o templo dedicado a Nossa Senhora de Nazareth. Abaixo transcrevemos trechos do exame técnico nº 0313/1981 emitido por técnicos da Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco, após solicitação da Prefeitura de Garanhuns de Tombamento da Igreja em 13 de fevereiro de 1981: “Está implantada numa elevação de terreno e seu acesso se faz através de ampla escadaria desordenada, uma casa, localizada num nível um pouco mais abaixo, está o Templo anexado, existindo uma comunicação interna entre eles, hoje lacrada”. (FUNDARPE, 1981).
Trata-se de construções bastante simples, tipicamente populares, possivelmente construídas na mesma época. O tempo apresenta estrutura de construção mista (taipa nas paredes originais e alvenaria de tijolo nos reforços).Apresenta tesouras em madeira, caibros roliços e telhas cerâmicas do tipo colonial.(FUNDARPE,1981).
A comunidade do Timbó é, na realidade um grupo étnico constituído pelas comunidades Azevem, Bananeiras, Fumo Brabo, Terra Preta, Cutuvelo, e Lamarão que apesar de terem denominações diferentes fazem parte de uma mesma organização social, Iratama é distrito de Garanhuns na qual Timbó é ligada administrativamente, a divisão entre elas, no que parece, foi provocada pela infiltração de “políticos” e fazendeiros que incentivavam a divisão visando controlar e impedir o fortalecimento e organização de todos, e conseqüentemente barrando qualquer uniformidade de reivindicação.
         Igrejinha de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó, marco do Quilombo.
Seus moradores, ao auto-definem-se como negros do Timbó, expressam uma auto-estima que será fator de suma importância para o desenvolvimento de Projetos de melhoramento das condições de vida que se baseiam em suas tradições culturais. A memória social e as tradições do grupo são motivos cabais para que essa comunidade negra rural tenha seus direitos constitucionais garantidos que resultam na garantia dos seus direitos à titulação definitiva de suas terras possibilitando entre outras a manutenção de suas tradições culturais, certamente a (Mãe) Fúnfún (branca) continuará sendo admirada por seu Ará (povo) Dúdú (negro).



João Monteiro
Omo Sango, Historiador, Especialista em Preservação de Acervos
Coordenação do Quilombo Cultural Malunguinho.
Pesquisou no Quilombo do Timbó em 2001.

Casa das Tias, Casa de Badia: Pré-ruina da Memória Africana do Recife

Obejidê Maria de Lourdes da Silva - Badia
Localizada na lendária porta sul da cidade do Recife ou “ a entrada da cidade, para quem viesse do lado do continente”, região de maior concentração de negros da cidade até meados da década de 1930, e de onde certamente foi construída a identidade cultural da cidade.
Uma casa onde muitos encontros se deram desde a chegada de Tia Eugenia da África até a consagração de Badia como importante liderança cultural” (Arrecifes, dez, 2005), um espaço estratégico que presenciou momentos importantes de nossa historia política, econômica e social. Um acumulo de historicidade, desde as lutas de resistência à presença holandesa, a exautoração e assassinato de Frei caneca, os movimentos abolicionistas, a “Belle Epoque” que transformou as fachadas de nossos sobrados, e alterou o modo de vida de nosso povo que assimilou mais contundentemente a cultura ocidental.
Contudo este pátio se tornou a referencia da cultura nagocêntrica em nossa cidade refletida no respeito que todas as casas religiosas de Matriz Africana(Nagô) têm a memória dos que ali moraram e mantiveram provavelmente o primeiro Culto aos Orixás do Recife (estatuto da Casa, 1976). Digo provável, pois há registro de outros espaços e pessoas ligadas a algum ritual de Matriz Africana, como é o caso de Yayá de Ouro que morava em casa no largo da Fortaleza das Cinco Pontas, uma parda de nome Feliciana Maria Olímpia conhecida na área por ser feiticeira (APEJE, DII, vl.28,1873). Temos ainda Vivina Rodrigues Braga – Iyáiná, conhecida por Tia Sinhá, nasceu em Recife em 17 de dezembro de 1874 e Emília Rodrigues Castro – Iyájaí conhecida por Tia Yayá nasceu em 04 de outubro de 1877 filhas de Joaquim Duarte Rodrigues – Atô e Eugênia Rodrigues Braga – Arô.
Até o momento não temos como precisar quando e como a família Duarte Rodrigues se estabeleceu na Casa. De acordo com a escritura de compra e venda, a casa 143 da Rua Vital de Negreiros foi comprada pelas irmãs Vivina e Emília do Sr. Antônio Cândido Gouveia, viúvo em 11 de outubro de 1922 e a mesma situada a da Rua do Forte 46, adquirida do Casal de portugueses Joaquim Martins de Carvalho Ramos e Maria do Carmo Pimentel Ramos em 7 de dezembro de 1926. No momento da aquisição da Casa elas montaram uma tinturaria que em pouco tempo fez muito sucesso na cidade, “sua freguesia era formada por uma classe abastada da cidade” afirma a Sra. Amara Soares(moradora da casa desde a adolescência), possuíam registro na Junta Comercial de Pernambuco sob o Nº20.957, e pagando seus impostos em dias. A tinturaria estava no nome de Dona Vivina Duarte – Iyáiná, a Tia Sinhá, como consta na nota fiscal de pagamento do IPTU.

Pátio do Terço, Bairro de São José
Maria de Lourdes da Silva, Badia – Obéjidè, nascida em 1915, foi trazida por Sinhá e Yayá ainda bebê, posteriormente chegou na casa Severino Martiniano da Silva – Ode Akeran, o conhecido Raminho D’Oxossi, que teve sua iniciação pelas mãos de Dona Vivina Duarte Iyáiná, a Tia Sinhá e José Romão da Costa – Ojo Okunrin. Manteve as tradições da Casa onde a convivência por mais de 30 anos favoreceu um aprendizado que poucos sacerdotes de Recife tiveram, ao manter uma relação de muita cumplicidade e respeito com Sinhá, Yayá e Badia.
Badia “Aprontou fantasia para todos os grandes clubes, blocos, escolas de samba e troças do Recife, e também para algumas pequenas agremiações que brilharam e ganharam títulos de campeãs com as fantasias que confeccionou” (http://www.onordeste.com/), Tudo isso deu a Badia o Titulo da grande dama do carnaval de Recife.
Em todos os Ciclos festivos do calendário do Recife (junino, natalino e carnavalesco) a Casa sempre participava desde novenas religiosas a festas profanas inclusive a Grande Festa do mês de outubro onde todos Orixás comungavam o Axé, a Casa foi sede da LAMPRUT, uma Sociedade quase secreta que provavelmente foi criada no período abolicionista e que fizeram muitos negros forros como nos conta Eustórgio Wanderley em seu livro Tipos Populares do Recife Antigo.

   Casa 143 do Pátio do Terço, em pré-ruina
Desde o falecimento de Badia se luta para preservar essa memoria, o primeiro passo foi dado com a criação do Espaço Cultural Badia pelo jornalista e advogado Edvaldo Eustáquio Ramos que deu vida ao já tradicional Baile Perfumado com 16 anos, o tombamento da casa pela Fundarpe já está concluído e há dois anos a Restauradora e grande profissional da área de Preservação de Patrimônio Fancisa Toledo, falecida ano passado, deu inicio a elaboração do Projeto de salvaguarda da casa, sendo realizado prospecções, parecer técnico e parecer de uso histórico da Casa.
Esperamos contudo que a Gestão Pública governamental, seja municipal estadual ou federal que assumi ter uma politica de reparação ao povo negro, realmente intervenha para que a Casa de tanta tradição não desapareça da memória histórica da cidade, pois sabemos bem que da memoria simbólica coletiva do povo negro e de Terreiro este espaço ancestral viverá para sempre, ti ti ayê!

João Monteiro
Omo Sango, Historiador, Especialista em Preservação de Acervos
Coordenação do Quilombo Cultural Malunguinho.